quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Vestimenta

Olhava ao redor e era capaz de enxergar apenas cinza. Não via cores. Sabia que naquele caminho, esse que trilhava todos os dias já havia muito tempo, existiam flores amarelas e roxas, suas preferidas. Tinha certeza de que elas continuavam ali, mas não era capaz de enxergá-las. Tudo o que via eram pedras e paredes, todo o concreto dos prédios, o negro do asfalto e a solidão da rua deserta.
Não era como se não houvesse cores. Ela apenas estava impossibilitada de enxergá-las, como se usasse um óculos capaz de bloqueá-las. Sabia que precisava se livrar desse óculos, pois assim seria capaz de enxergar novamente o roxo e o amarelo das flores. Sabia, inclusive, alguns passos a serem seguidos para enxergar novamente as cores. Mas parecia que, além de usar os óculos, vestia um sobretudo carregado de pequeninas bolas de chumbo – aquelas que se usam como munição em armas de gente sem coração. Ela tirava dezenas dessas bolinhas de dentro dos bolsos todos os dias, mas como num passe de mágica – um truque cruel, é verdade –, as bolinhas voltavam para os bolsos, e o peso daquele casaco voltava a ser quase insuportável.
Alguns dias, então, ela não se livrava de nenhuma bolinha, por estar cansada de vê-las voltarem. Elas então ficavam ali, lembrando a garota do peso que tinham. E, nesses dias, tudo o que ela queria era ficar sentada, olhando para o mar e esperando o tempo, esse ente gozador, passar lentamente. Enquanto isso, o tempo levava com ele um pouco das bolinhas, e também as cores, os pensamentos e o resto de luz que ainda insistia em brilhar dentro dela.

domingo, 2 de junho de 2013

Eram seres pequenos, que pareciam uma mistura de cachorro com gato, com orelhas de coelho. Apesar de serem criaturas estranhas, eram incrivelmente fofos, cativantes e agradáveis. Além disso, eram insistentemente alegres. Ficava difícil resistir a eles.
Por isso, a garota decidiu levar um deles para casa. Absurdamente feliz com sua nova companhia, brincou com aquele bichinho pelo resto do dia. Arrumou-lhe uma cama aconchegante, fez-lhe cócegas e carinhos e, depois de muito mimá-lo, foi deitar-se – não sem antes verificar se ele estava devidamente acomodado.
No meio da noite, a garota sentiu algo roçando seus pés. Acordou assustada, mas ao ver seu bichinho, acalmou-se. Não por muito tempo. Olhando novamente para sua cama – e com mais atenção –, viu que ele não estava sozinho. Havia vários deles, todos iguais, pulando sobre a cama, alegremente.

Ainda sem entender como haviam surgido todos aqueles pequenos seres, tentou expulsá-los do colchão. Foi então que eles se agitaram e pularam sobre ela. Minutos depois já não havia mais garota para contar como eram estranhamente fofas aquelas criaturinhas.

sábado, 29 de dezembro de 2012

Melhor parte

Escolhe aquele mesmo vinil de sempre. Coloca para tocar e senta-se na cama para ouvi-lo. Gosta de todas as músicas, mas a última é, sem dúvida, a melhor delas. Ainda assim, escuta todas, pacientemente. No fim da penúltima música, o telefone toca e ela vai atender. Ao voltar, o disco já não roda e uma sensação de vazio a preenche. A melhor parte aconteceu sem ela.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Vitrine

Ela despertou assustada, com a sensação de que alguém a observava. Esfregou os olhos tentando reconhecer as coisas ao redor, mas demorou até que suas pupilas dilatassem o suficiente para permitir que visse alguma coisa naquele breu que a cercava. Tateou no escuro à procura do abajur que ficava ao lado de sua cama. Acendeu aquela luz fraca que apenas servia para não atropelar os calçados no chão ou as roupas espalhadas pelo quarto. Olhava ao redor como se procurasse alguém, aquele alguém que a observava quando acordou. Mas não havia ninguém naquele quarto pequeno e com poucos móveis. Ainda assim, ela continuava olhando, com aquela mesma sensação terrível que a tirara de seu sono tão pesado. Intrigada, levantou da cama para inspecionar o resto da casa, mas, novamente, não encontrou ninguém. Já amanhecia e ela precisava trabalhar. Na tentativa de afastar aquela sensação ruim, escolheu um vinil da Elis e colocou para tocar. Ela gostava de ouvir música logo cedo, enquanto se arrumava demoradamente para sair. Tomou um banho, escolheu uma roupa qualquer e a deixou sobre a cama. Com seu moletom surrado, foi fazer um café. Ela gostava de vestir a roupa de sair só depois de comer, pois era atrapalhada demais para correr o risco de precisar escolher outra roupa. E por mais ocupada que estivesse, a todo momento olhava para os lados, buscando o olhar de alguém que a observasse, mas nunca encontrava.  

Caminhando pelo calçadão, como costumava fazer todas as manhãs a caminho do trabalho, deteve-se em frente àquela vitrine. Não se lembrava de ter visto algo assim antes. A impressão que tinha era de que, por trás daquele vidro, houvesse um quarto ou uma casa inteira. Pensou que poderia ser uma loja de decoração, daquelas que vendem móveis planejados para todos os ambientes. Mas havia algo ali que o fazia acreditar que não era uma loja como outra qualquer, talvez pela disposição nada comum daqueles móveis visivelmente usados, pelos objetos aparentemente fora de lugar ou pelo par de sapatos cheios de lama ao lado do que parecia uma porta de entrada. Depois de alguns instantes ali, parado, olhou ao redor e viu que algumas pessoas haviam unido-se a ele na observação daquela estranha vitrine. Foi então que, ao ver nos rostos das pessoas expressões de espanto e descrença, virou seu olhar de volta para aquela vitrine e descobriu que não se tratava de uma loja, mas sim de uma casa de verdade, com uma moradora cuja rotina podia ser acompanhada por todos que ali estavam. Não conseguiu entender os motivos para que aquela casa estivesse ali. Na verdade, foi capaz apenas de olhar para aquela mulher vestida com um moletom surrado e chinelos velhos, preparando seu café da manhã.

sábado, 2 de junho de 2012

Sobre janelas e portas


É linda a paisagem vista pela janela desse cômodo cuja porta teima em ficar aberta. Nesse corredor cheio de passagens que escondem imagens tão possivelmente belas quanto assustadoras, essa é a única porta que permanece sempre aberta. Quando todas as outras se fecham, o brilho que entra pela janela desse cômodo ilumina todo o corredor e atrai toda a atenção para si e para a linda paisagem que pode ser vista dali. Mas quando outra porta se abre, esse brilho diminui. Até que todas se fecham mais uma vez e permitem ao corredor inebriar-se com aquela luz singela e acalentadora...

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Sobre a arte de escolher


Ela detestava escolher. Sabia que optar por apenas uma daquelas várias de si era matar todas as outras. E cada vez que escolhia, sentia tamanha angústia que queria fazer reviver cada uma daquelas que nunca existiram, nem nunca mais poderiam existir.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Ainda assim...

Era um dia como outro qualquer. Na verdade, deveria ser, mas para ele não era. Tinha conversado com ela por horas até que conseguiu convencê-la a encontrar-se com ele no dia seguinte. E o dia seguinte era hoje.
Levantou da cama com a ideia de que a veria, mas tinha que se controlar, porque algo poderia acontecer e os planos poderiam mudar. Ela sempre fazia dessas. E ele sempre ficava esperando, por mais que ela não o pedisse. Então ele se arrumou como se fosse encontrá-la naquele momento. Pensou em tudo o que faria antes de vê-la. Esquematizou em sua cabeça como faria tudo o que tinha para fazer antes de ter a companhia dela de novo. Depois de tudo pronto, saiu.
O dia passou, veio a confirmação do encontro. E trouxe junto aquele nervosismo que há tempos não sentia. A hora passou mais devagar e as coisas perderam um pouco da cor. Mas ele suportou, decidido a não mais sentir nada disso.
Saindo do trabalho, pegou um ônibus e tentou ler qualquer coisa durante o trajeto, que, por mais curto que fosse, seria quase torturante com aquele frio na barriga. Mas quando desceu do ônibus, não pôde mais ocupar a cabeça, nem mesmo com a música que tocava nos fones em seus ouvidos e o isolava do resto do mundo. Aquela ansiedade que tanto sentia tempos atrás havia voltado, e não podia controlá-la. Caminhava devagar, respirava fundo, tentava acalmar-se. Conseguiu. Um pouco, pelo menos.
Quando chegou à lanchonete, ela estava sentada numa mesa com alguns amigos, uns já conhecidos dele, outros novos. Cumprimentou-a com um abraço apertado, daqueles que ele tanto gostava, daqueles que aumentavam seu nervosismo. Cumprimentou a todos com um aperto de mão e sentou-se. Ali estavam eles novamente, e era como se as outras pessoas não estivessem ali. Ele olhava para aquele rosto tão familiar, aquela boca que tanto lhe convidava a loucuras. E o tempo passava tão rápido, mas ele nem via, perdendo-se em toda aquela conversa que só fazia sentido porque podia ouvir a voz dela de novo.
Finalmente, teve a oportunidade que tanto queria: os amigos dela foram embora, deixando os dois sozinhos em meio àquela multidão que tornava a lanchonete tão barulhenta. E eles conversaram, riram, ficaram sérios, falaram de como era antes, de como era com eles. E ele disfarçava seus pensamentos com sorrisos, concordando cada vez que ela dizia que tinha valido a pena. Por mais que, em algum canto de seu ser, ele quisesse abraçá-la e dizer que não queria mais ficar longe, ele sorria. Ainda que tivesse conseguido esconder tão bem dos outros, até de si mesmo, e por tanto tempo aquele sentimento, alguma coisa fez que tudo fosse revelado, mas só para ele. Tudo aquilo de que tentara livrar-se há algum tempo, e que acreditava ter conseguido, voltava a atormentá-lo e encantá-lo.
Ela então se deu conta de como estava tarde e de que precisava ir embora. Ele, como sempre, disse que tudo bem. Ele a acompanhou até seu carro, despediu-se dela com mais um abraço aconchegante e a viu partir. Ele seguiu seu caminho a pé, pensando em como era linda, encantadora, e em como ela destinava a outro as delícias de ser seu namorado.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Mais um conto de desilusão

Passava horas lendo contos sobre o amor. Gastava seu tempo imaginando aqueles personagens. Ganhava tempo se imaginando como aqueles personagens. Sonhava com aqueles homens dos contos que lia, que ao invés de reis de contos de fada eram seres comuns, que a admiravam enquanto dormia. Ao invés de cavalos brancos, os homens que imaginava a encontravam a pé para uma caminhada num parque ao anoitecer. Ao invés dos castelos, seus sonhos se passavam em apartamentos aconchegantes, pequenos e só deles, onde podiam passear de moletom surrado e pés descalços. Encantava-se ao imaginar os bilhetinhos espalhados pela casa, cada um com uma declaração simples do amor que aquele homem dos sonhos sentia por ela. Fascinavam-lhe os elogios matinais, quando ainda estava descabelada e sonolenta. Imaginava as tardes de domingo regadas a vinho e ao som de vinis de Elis e Chico, as noites de bons filmes e ruídos casuais. Sonhava com o amor grande e simples, com a entrega, com os gestos (mais que com as palavras), com os momentos (mais que com as promessas). Podiam parecer sonhos pequenos, mas gostava deles por parecerem tão possíveis. 

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Precisava, inevitavelmente, descrever todas aquelas coisas que viu e cheirou e ouviu e presenciou e sentiu. Alguns dias já haviam passado e todas aquelas emoções e sentimentos e experiências ainda faziam aflorarem seus nervos. As fotos faziam que retornasse a todos os lugares por onde passou, especialmente aqueles que não foram ou não puderam ser registrados. A vontade de flutuar uma vez mais naqueles ares distintos, de permanecer em outra realidade não tão real só aumentava a cada relato, a cada experiência narrada. A intensidade dos momentos vividos causou nela alguma consequência que ainda tentava entender. Apenas alguns dias não seriam capazes de fazê-la digerir tudo aquilo que sentiu e pensou ao vivenciar aquelas experiências. Algo estava diferente, algo havia mudado dentro daquele ser já bastante confuso e sensível. Já não era a mesma, e precisava, agora, voltar ao mundo de antes e readaptar-se. Ou não.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Palacete

Era una casa pequeña y las únicas paredes de dentro eran las que delimitaban el baño. Había pocos muebles, lo bastante, sin embargo, era un lugar bello y acogedor, de donde se podía mirar el mar. Los árboles que había en el alrededor de la casa le daban un aire sencillo y encantador. Las olas del mar, que estaba tan cerca, sonaban como una canción que apaziguaba el espíritu de la chica, dueña y amante de ese agradable palacete.
En las noches en que el cielo se quedaba limpio, la claridad de la luna adentraba por las ventanas grandes y sin cortinas, alumbraba la cama y producía sombras y reflejos por toda la casa. No había vecinos, no pasaban coches por allí, tampoco se podía oír los sonidos tan comunes a las grandes ciudades. Era un refugio lejos de todo y de todos.
Para poner en orden su vida, la chica solía apartarse del mundo real, y era ese el sitio donde le gustaba quedarse. Era ese el lugar donde sus pensamientos parecían arreglarse. Era ese su palacio, donde el tiempo no más huía de sus manos. Era ese su hogar.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sobre odiar alguém

DEVE HAVER UMAS TRÊS FORMAS, pelo menos, de dizer o quanto você odeia alguém. Não que elas não possam ser combinadas (até devem), mas são usadas conforme a importância que o sujeito-alvo tem para você.

A primeira é o sarcasmo, aquele tempero que estraga a comida quando você já está terminando de mastigar; é quase um gole de refrigerante delicioso, mas que você descobre, decepcionado, que é diet. Basta concordar, ser a pessoa mais condescendente do mundo e, em um instante, tudo com o que você acabou de concordar com tanta ênfase significa uma completa negação. O que pode ser melhor que o sarcasmo, não é mesmo?

Você também pode passar a utilizar a variante monossilábica do português. Todos os “sim” e os “não” vão significar, necessariamente, que você pouco se importa. Aliás, há aqueles que aprimoraram essa técnica criando a variante bovina-concordativa. Hmmm, aham...

Mas a pior delas, a mais cruel, a mais cantada pelos poetas que com ela sofreram é a total e absoluta indiferença. A partir de agora você simplesmente deixou de existir. Não é que você morreu, tão-somente você jamais significou-me coisa alguma. Inclusive nem me importo com minha própria indiferença que supus ter. Com licença.

Ainda assim, essa última forma de odiar alguém é paradoxal. Se você merece tal tratamento é porque atingiu-me de tal forma que se eu tiver que te odiar, só sou capaz de te odiar assim. Deve haver umas três formas, pelo menos, de dizer o quanto você ama alguém.

Nunca mais olhe nos meus olhos.

 
 
[Esse texto não foi escrito por mim. Ele é de autoria do meu querido amigo Carlos Pierrot, e por ter presenciado a criação, lido o rascunho e me encantado por ele, resolvi colocar aqui.]

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Por não conseguir alcançar o céu, contentou-se em comer estrelas.

terça-feira, 8 de março de 2011

Théatron

Era a convivência harmônica do preto e do branco. Era uma divisão simétrica. Por si só, era capaz de encantar. Mas não tinha escolha, seu destino era ser palco daqueles espetáculos assustadores. Era o lugar perfeito para aqueles movimentos todos, por menos que gostasse deles. Cada vez que uma nova apresentação se iniciava, não podia mais dormir.
E não poderia haver espetáculo sem bailarinos. Eles ficavam todos organizados, colocados em seus lugares a espera de um comando. Dispostos por ordem de importância tinham por função proteger o maior deles, o mais importante. A linha formada na frente era como um muro, mas que podia mover-se. Cada um com sua função batalhavam todos como em uma guerra. Seus movimentos eram coordenados por alguém ainda maior, ainda mais importante que aquele que era protegido. Alguém capaz de observar os dois lados da batalha. Alguém que lutava com outro alguém. Sim, eram dois. Dois seres responsáveis pelo comando daquela guerra. Cada um com seu exército, comandando de forma encantadora aquela batalha.
Duelos sangrentos podiam ser travados ali. Não que pudesse sentir o sangue dos guerreiros, mas cada vez que uma nova guerra começava, aquele palco se amedrontava. Não era capaz de expulsar os guerreiros, nem mesmo podia comandá-los. Quando eles chegavam, podia apenas observar mais uma guerra em andamento. Sabia que logo acabaria. Sabia que eles voltariam a seus lugares dentro de pouco tempo, bastaria apenas o protegido ser destruído. Logo que isso acontecesse, teria sua paz restabelecida. Mas enquanto esperava, se desesperava. Tentava se convencer que não era o culpado por todas aquelas mortes, que aquilo tudo era apenas um espetáculo, mas lhe parecia tão real.
Um dia, enfim, percebeu que ele era apenas o lugar onde as batalhas eram travadas. Convenceu-se de que não adiantaria perder seu sono por tudo aquilo que acontecia ali. Pensando que os espetáculos aconteceriam, ele querendo ou não, pode enfim dormir.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Lua

Ela olhou pro céu, a lua brilhava amarela, ainda baixa. Alguns filetes de nuvens passavam pela frente daquela esfera encantadora. Ele segurou as mãos dela, colocou-as sobre os olhos e a fez andar, sem que ela pudesse ver. Apesar de não saber onde pisava, ela andava leve, com a imagem daquela lua em seus olhos fechados. Quando ele a fez parar e abriu seus olhos, sentiu-se envolvida por aquela luz que iluminava o campo onde estavam. Não fosse a lua, estariam mergulhados em breu.
Os dois deitaram na grama, abraçados, admirando aquele espetáculo de um só astro brilhando num céu sem estrelas. Ali ficaram em silêncio, transmitindo um ao outro todo aquele encanto, aquela alegria de estar ali, daquele jeito, inebriados por aquelas sensações.
Ele acariciava os cabelos macios dela, o rosto redondo que tanto admirava. Ela desejava que o tempo parasse, queria que nada mais existisse, ao menos naquela noite, para que aquele sentimento que os envolvia fosse aproveitado ao máximo. Ele queria ficar ali para sempre, ao lado daquela que ele tanto gostava.
A lua já não brilhava amarela, mas sua beleza ainda era incrível. Por causa do frio que fazia ali, ele acendeu uma fogueira pequena, mas suficiente para os dois. Envolveu sua menina com a blusa que havia trazido e ali os dois adormeceram. Quando viu, a lua começava a dar lugar a sol. Acordou sua menina – ele adorava chamá-la de minha menina – para que juntos pudessem ver o sol nascer. Ainda abraçados, admiravam mais aquele espetáculo, e em silêncio, para que pudessem ouvir o canto dos pássaros e a música que dava cor àquele momento.
E como o que é bom precisa acabar para que possa então ser lembrado, eles foram embora. Estavam leves, tão leves que pude vê-los flutuar. 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Desassossego

Acendo o abajur – uma boneca rosa empoeirada que se perde em meio a livros, cadernos, remédios – e observo esse quarto que tão bem me representa. A bagunça das roupas, das apostilas reviradas, dos livros jogados, dos sapatos perdidos pelo chão é a representação da desordem da minha cabeça. A parede pintada numa cor viva, os móveis todos coloridos, os penduricalhos espalhados pelo quarto, os enfeites que enchem a escrivaninha, são detalhes coloridos que dão a esse lugar o mesmo ar de menininha que ainda carrego comigo.
Guardo aqui coisas sem as quais eu não viveria, mas o muito aqui existente já não preenche o vazio que trago no peito. Nem mesmo meu xodó, onde agora escrevo, com todos esses botões pesados, esse som encantador, nem mesmo ele é capaz de ocupar algum espaço desse buraco que a cada noite parece aumentar.
Esse que outrora fora meu refúgio, parece agora grande demais, vazio demais. Falta alguma coisa. Faz cada vez mais frio aqui dentro. A cama fica maior a cada noite. E eu fico cada vez menor. Corroída por esse espaço vazio que vai tomando conta de mim, aumentando junto com a cama, junto com o frio.
Ainda tento dormir. Fecho os olhos novamente, na tentativa de encontrar o sono, mas mergulho de novo num mundo de lembranças. E de desejos. Surge a vontade de alguém aqui comigo. Todo para mim. Só meu. Uma companhia que torne a cama menor, o quarto mais quente, o vazio menos vazio.
Preciso dormir. Apago a luz do abajur e mergulho na escuridão do quarto, acreditando ser capaz de esquecer tudo isso e adormecer. Os olhos mais uma vez fechados e, ao invés de uma nova viagem, a chegada de todas as outras. Uma explicação para a insônia, um motivo para os devaneios: não quero apenas uma companhia, quero aquela companhia.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Os pássaros voavam livres por aquele céu azul sem nuvens. E como se quisesse me juntar a eles, lancei-me em meu primeiro e último voo.

domingo, 7 de novembro de 2010

Perto demais

Eu estava ali, encostado naqueles ferros gelados, apenas esperando minha deixa para ir embora. Ela veio falar comigo. Chegou perto, muito perto. Não soube o que fazer. Aquela distância me perturbou, mas eu não poderia transparecer toda essa confusão que se iniciava dentro de mim. Não podia me mover. Suas mãos me tocaram quando ela, por delicadeza ou má intenção, arrumou minha jaqueta. Sentir aquelas mãos em meu corpo foi como partir para um outro universo, viajar pelo espaço e então voltar à terra,  tudo em questão de segundos. Conversávamos qualquer coisa, um assunto tão banal que não faz nem diferença. Ela estava tão perto. Podia sentir o calor de seu corpo. E eu nem mesmo a conhecia.
Ela então se foi. Fiquei olhando enquanto partia. Senti o vento gelado me envolver de repente. Ela não mais estava perto para me esquentar. Aquela sensação estranha tomou conta de mim. Fui embora também. O dia deveria terminar logo, mas aquela conversa, com aquela proximidade toda, não me deixou em paz. Ou talvez o licor de cereja seja o culpado pela minha falta de sono. Mas ela estava tão perto. E eu nem mesmo a conhecia.
Percebi-me pensando nela, em como seria quando a visse novamente. Minha vontade de tê-la próxima assim de novo era grande demais. Quando vi, já havia falado sobre ela, sobre como estava perto. Muito perto. É que eu não a conhecia. E ela chegou tão perto...

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Escreveu.
Ao menos ali podia dar à vida o fim que quisesse.

sábado, 18 de setembro de 2010

Euforia

Caminhava pela calçada atordoado por todo aquele barulho de carros e buzinas e lojas e músicas e tudo aquilo que de tanto ouvir ele já não ouvia. Divagava em pensamentos enquanto seus passos ficavam cada vez mais acelerados, contagiados por aquele ritmo frenético que fazia seu coração acelerar e disparar e sua respiração acelerar e acelerar e acelerar até que ele ficasse ofegante e precisasse parar...
Ele então parava, respirava fundo, fechava os olhos, tentando fazer seu corpo voltar ao normal. Fôlego retomado, voltava a caminhar. Os passos, agora lentos, acompanhavam sua respiração tranquila. Mas o barulho continuava; as pessoas passavam ao seu lado com a mesma pressa de sempre, com a mesma indiferença de sempre; os carros corriam mais e mais; o barulho aumentava e as pessoas também; os carros corriam; seus passos se aceleravam e aceleravam e sua respiração tomava um ritmo cada vez mais rápido e mais rápido; e mais rápido sentia bater seu coração; e o barulho não cessava e as pessoas passavam e os carros corriam; e o barulho aumentava e sua respiração acelerava e seu coração acelerava; e os carros e as pessoas e o barulho e sua respiração e seu coração tão acelerado que parecia explodir em seu peito...
O barulho cessou. Os carros já não mais corriam. As pessoas agora o viam. Sua respiração não era mais ofegante, nem mesmo calma. Seu coração não mais acelerava, nem mesmo batia. Era agora um corpo rodeado por curiosos que logo seguiriam suas vidas. Era apenas um corpo que não mais ouviria o barulho dos carros, das lojas, das buzinas e de tudo aquilo que de tanto ouvir ele já não ouvia.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Madrugadas

A cama parecia cada vez maior, por isso espalhava travesseiros sobre ela. Não gostava de espaços vazios. Procurava, no escuro, mais cobertas. Fazia frio. Queria o outro corpo para esquentar o seu. Não há coberta quente o bastante para aquecê-lo como ele gosta. Os travesseiros não podiam dar a ele o que queria, nem mesmo as mãos. Mas ele aprendeu a usá-las, ao menos por enquanto. Tentava encurtar as noites, mas as madrugadas em claro faziam o tempo passar mais lentamente.
Uma noite, ele se cansou de não mais dormir. Saiu em busca de companhia. Altas horas da madrugada, decidiu ir àquela rua que tanto freqüentava. Avistou alguém. Parou o carro, ela entrou. Acertaram os detalhes e seguiram a um lugar mais reservado, mais propício. Nada romântico, apenas seguro. Não queria encrencas.
Serviço feito, tempo esgotado. Deixou-a onde a encontrou e seguiu para casa. Estava nojento, suado, como se tivesse corrido uma maratona. Fora rude, bruto, queria acabar de vez com aqueles desejos. Ao chegar em casa, tomou um banho e foi se deitar. O amanhecer já começava a despontar e a cama estava novamente cheia de travesseiros. Deitou-se e o frio voltava a tomar conta de seu corpo. A solidão voltava a apertar. Todo o esforço fora em vão. Nada seria capaz de substituir aquela que um dia encheu sua cama e aqueceu-lhe o corpo.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

(...)

Era uma noite de outono. Aquele era o último lugar onde eu gostaria de estar. Mas eu precisava estar lá. O vento gelado fazia minhas mãos doerem, meus pés já estavam dormentes. Como se não pudesse piorar, me conformei, e esperei.
O frio já não me incomodava, meu corpo já estava acostumado àquela sensação gélida. Então, a chuva começou a cair, com pingos cortantes, como se a água fosse capaz de rasgar minha pele. Aquela dor me fez desmoronar. As coisas começaram a girar.
Não era capaz de me mover. Minhas pernas estavam pesadas, meus braços colaram ao corpo. Fui capaz apenas de fechar os olhos e sentir os pingos dilacerarem meu rosto. Sentia minha roupa encharcada, o peso da água caindo sobre meus ombros me fazia crer que não ficaria mais em pé. Minhas pernas amoleceram e meus olhos se fecharam.
Ainda sem recuperar completamente os sentidos, senti o calor daquelas mãos me segurando pelas costas. O carinho daquele abraço me envolvia. A chuva não mais podia cortar minha pele. Já não sentia mais frio. Ele apareceu.

domingo, 30 de maio de 2010

Coisa de mãos

Por ser envolvente e deliciosa a música daquela orquestra, ela tentava voltar os olhos para o palco, mas não conseguia. Aquele corpo ao seu lado a distraia. Não se cansava de admirar aquelas mãos que pareciam tão macias, com dedos finos e compridos, e que faziam com que acreditasse em teorias criacionistas. Olhava aqueles lábios redondos, carnudos o suficiente para fazer surgir nela a vontade de mordê-los. Ainda que sua cabeça repousasse naquele ombro acolhedor, sentia-se distante. Aproximava-se dele com cautela, sem saber o que fazer, apenas respondendo aos movimentos dele. Queria tocá-lo, queria acariciar aquelas mãos que a hipnotizaram, queria beijar aqueles lábios que a encantaram, mas tinha receio de algo que nem mesmo sabia o que era. Ainda assim, aproximava-se. Quando se deu conta, seus braços estavam entrelaçados e seus rostos ainda mais próximos. Mas suas mãos ainda não haviam se encontrado. Ela então buscava, calmamente, a mão dele. Sentindo a mão dela na sua, ele fez seus dedos se entrelaçarem, segurando firme aquela que o buscou, impedindo que ela saísse dali.
Acariciar aquelas mãos macias tornou-se um vício para ela, assim como eram viciantes as conversas entre os dois. Acostumou-se a deslizar seus dedos por entre os dele, pela palma, pelo dorso daquela mão. Ele ria, achando bonitinho isso de mãos. Ela parava, envergonhada. Mas logo voltava a sentir suas mãos se tocando. Ela não podia mais resistir àquelas tentadoras mãos. Nem mesmo ao dono delas...

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Reticência saudosamente cirandada

Quando, daquela vez, eu cantei, a chuva que caía gelada, parou. Quando eu sentia aquela água escorrer pelo meu rosto, lembrava-me de você. Mas você se foi. Então comecei a cantar aquela canção. Aquela que você tanto gosta. Aquela que me faz lembrar você. Aquela que era a nossa música.
Já faz tempo, eu sei. Acontece que hoje, sem maior motivo que a saudade de ontem, acordei com uma vontade enorme de te ver. Não senti teu corpo ao lado do meu. Então fechei meus olhos, e só assim pude te encontrar. Acordei com aquele vazio que tanto me incomoda, e então novamente fechei meus olhos, só pra poder estar contigo.
Eu fiz uma canção com toda essa vontade de te ver. Eu vou voltar a cantar, pra ver se a chuva para de novo, pra ver se a saudade vai embora, pra ver se você me dá de novo teu amor. Eu vou cantar de novo, só pra ver se você me escuta e volta pra mim. Eu vou cantar minha saudade, pra ver se você ouve minha dor. Eu vou cantar minha dor, eu vou cirandar a saudade.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Labirintos vivos

Aqueles corredores faziam sua imaginação aflorar. Tantas histórias, tantas vidas concentradas ali, lado a lado, numeradas e organizadas em celas individuais de diversos tamanhos. Os muitos corpos que por ali passavam pareciam não se incomodar com a presença delas. Na verdade, nem mesmo notavam que aquele mundo era muito maior do que aparentava. Mas ele notava. Sim, ele era capaz de ouvir todas aquelas vozes aprisionadas ali. Ainda que não conhecesse quase nada, transportava-se para o meio daqueles corredores e podia ouvir os gritos mudos daquelas vidas sem corpos. Sentia-se observado, admirado, invejado. Era capaz de perceber o chamado daquelas almas que lhe cercavam, sentindo-se tentado a atendê-los. Ficava cada vez mais difícil não se deixar seduzir por aqueles clamores por liberdade, mas vagava por aqueles corredores buscando uma vida em particular. Tinha um destino certo e não podia perder-se no caminho. Sabia que tudo o que aquelas almas queriam era um corpo onde pudessem voar livres. Até que, enfim, ele encontra o que procurava. Olha para aquela pequena cela, com aquela vida ali dentro, sorrindo para ele. Admira-a por um instante, ouve seu chamado e então, a liberta. Agora aquela alma ganha um corpo: o dele.

sábado, 10 de abril de 2010

Abandono

Quando te encontro já tenho uma idéia fixa na cabeça, passei a tarde pensando nisso. Desejo te ver apenas para falar tudo, e assim o faço: despejo em você tudo que planejei e pensei ser o melhor pra mim, pois você já não me quer mais. Falo sem parar, sem dar deixar nada me interromper, até que uma lágrima escorre de meus olhos, seguida de outra e mais outra. Digo coisas absurdas, reclamo de tudo em você, sem coragem de olhar nos seus olhos, com medo de ser descoberta. Mas você não reage, apenas me olha, sem expressão, como uma estátua colocada ali há anos, na mesma posição. Observa-me como se nada do que falo fizesse sentido, como se não fosse com você... Mas então, quando meus olhos fitam os teus, no auge de meu desespero e meu rosto tomado por lágrimas, um sorriso surge em seu rosto, e como num passe de mágica, aquela estátua parada na minha frente ganha vida, e num passo rápido e largo, cala minha boca com a sua, num beijo quente, carregado de emoção. Sinto meu coração disparar, suas mãos em minhas costas, envolvendo meu corpo, me apertando contra o seu. Meu maior medo tornara-se minha maior vontade. Busco novamente seus olhos, e agora sinto sua respiração tranquila em meu ouvido, acalmando a minha, tornando-as uma só. Seu olhar me pede calma, me tranquiliza, faz que eu me entregue a teus braços, como quem entrega um tesouro e pede que o outro cuide. Já não me pertenço mais...

domingo, 28 de março de 2010

Post emprestado...

Como ando sem criatividade, nem tempo, vou postar aqui uma crônica do Rodrigo Levino. Recebi uma versão em PDF do livro desse cara, um amigo me mandou, e os contos dele acabaram até influenciando meu modo de escrever. Gostei demais. Agora chega de enrolação... Vamos à crônica!


KITCH

Abaixa um pouco, o ombro deixando cair a fina alça da blusa. Sorri, mordendo os lábios após abaixar o rosto e deixar os cabelos curtos cobrirem seus olhos. Sente o desejo entrecortado pelo torpor. O arrepio leve nos pelos do corpo inteiro escoa e ecoa num gemido fortuito.
Sozinha. Não espera por mãos que possam cobrir seus poros, nem uma língua que cultue a lascívia do seu corpo. Tem tido dias assim, de completa solidão, uns goles de vinho barato e cigarros deixados na metade.
Não quer desperdiçar o desejo num rosto sem nome. Cansou. Decidiu que, de duas semanas atrás em diante, será démodé e cafona, apostando umas fichinhas num amor bem breguinha e piegas como as baladas de Barry White.
Anda descalça pela casa, saltando pelos cantos silenciosamente pra não assustar os amores que, às vezes, se escondem atrás das portas e dos móveis. Encolhe-se na ponta do sofá agarrando as pernas e descansando o rosto sobre os joelhos.
Há sempre muitos mistérios gostosos na espera cálida por amores breguinhas e piegas.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Espera

Ela esperou que ele aparecesse. Queria apenas conversar. Queria contar seu dia, falar do fim de semana, das coisas que fez desde a última vez que se falaram. Queria ouvir o que ele tinha para contar. Há dias não se falavam direito. Desejou que ele chegasse para acalmar a solidão que apertava seu peito. Não gostava de esperar, mas esperava. Não queria depender, mas não podia evitar a necessidade da companhia. Isso a contradizia, mas queria vê-lo. Precisava vê-lo.
Então ela esperou, colocou-se à disposição, ficou lá, como quem não quer nada, mas certa do que esperava. E ele não apareceu. Ela esperou mais um pouco, mas parecia não adiantar. A solidão em seu peito não podia ser diminuída por quem ela encontrava. Parecia que só ele seria capaz de tirá-la daquela angústia que aumentava a cada pessoa com quem ela falava. Não encontrava em qualquer um o que precisava. Nem mesmo sabia se encontraria nele o que queria, mas era ele a esperança do momento.
E ela continuou ali, como se não houvesse mais o que fazer, desejando que ele aparecesse em seu cavalo branco, a libertasse daquela torre e a salvasse da maldição da bruxa. Mas ele não era um príncipe encantado, nem mesmo ela era uma princesa inocente. E sua vida, principalmente, não tinha nada de conto de fadas. Ele não apareceu.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Segredo

Era uma daquelas viagens que se faz com a turma. Uma caminhada, uma trilha, banho de rio, churrasco, conversas, natureza. Não poderia ser melhor.
Na verdade, poderia. Depois da longa caminhada, com muitas fotos, risadas, natureza exuberante e lembranças para jamais serem esquecidas, veio o churrasco. Nada demais, muito menos para ela que havia acordado sem fome e um tanto enjoada. Comeu um pouco e resolveu se deitar antes de ir para o rio. Foi até o carro – um daqueles usados para levar crianças para a escola – e esvaziou um banco onde se acomodou.
Já quase dormindo, sentiu cócegas em seu pé e acordou assustada. Ele estava ali. Todos haviam descido para tomar banho de rio, mas ele resolveu ficar, também descansaria um pouco. Deitou-se no banco atrás do que ela estava e começou a fazer massagens em seus pés. Ela gostava de massagens, ele sabia fazê-las maravilhosamente bem.
Mas o que seria apenas uma massagem fazia aumentar o desejo dele por ela. Ouvia-o falar qualquer coisa que ela não mais entendia, e sentia aqueles dedos fortes percorrerem seus pés como se estivessem tomados por um desejo, talvez o mesmo que fazia sua respiração acelerar. Enquanto ouvia aquela respiração ofegante, ele apertava ainda mais os dedos naquela carne macia que ele tanto gostava.
Então, de repente, ele parou, levantou do banco onde estava, foi para o da frente e, ajoelhando-se em frente a ela, a beijou. Um beijo longo, carregado de desejo, mas também cheio de sentimento. Não era o primeiro e nem deveria estar acontecendo – e isso o tornava ainda mais ardente. Ela sabia, de alguma forma, que aquele seria o último, então apertou o corpo dele contra o seu, o envolveu em um abraço apertado e demonstrou como podia toda sua vontade de permanecer ali, daquele jeito. Mas o beijo terminou num abraço, com um triste eu te amo sussurrado no ouvido dela.
Os dois então se recompuseram, trocaram olhares e seguiram ao encontro dos demais. Aquele seria o segredo deles. O mais perigoso e delicioso segredo que eles compartilhariam.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Travessia

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos... (Fernando Pessoa)

A travessia havia começado há tempos. Já não tinha lembranças recentes em que pudesse afirmar, com toda certeza, que a ponte não houvesse se apresentado a ela. Lembra-se com exatidão de quando constatou que não havia mais volta. Foram conversas confortadoras, porém intrigantes. Os três encontros mais produtivos que ela já teve. Talvez tenha mesmo saído deles ainda mais confusa, mas ao menos sabia que aquilo passaria.
Precisava abandonar suas roupas, esquecer seus caminhos, renovar suas energias. Buscava incessantemente uma nova fonte, onde pudesse regozijar-se e, então, seguir sua empreitada com o espírito alimentado. Buscava, naquele instante, uma inspiração para continuar. Não havia desistido. Não, ela não desistiria fácil assim. Mas as forças exauriam-se cada vez mais rápido. Parecia não poder mais.
No entanto, cada vez que pensava terem se esgotado suas forças, ela se levantava, respirava fundo e seguia em frente. Raramente se dizia forte, ou obstinada, ou qualquer coisa assim, mas sabia que, quando necessário, quando realmente fosse preciso, arrumaria forças, se levantaria, e seguiria.
Não sabia explicar – nem mesmo entendia – como fazia para continuar. Sentia-se sozinha. Não que realmente estivesse, mas não havia ainda encontrado a companhia que procurava (ou que ao menos acreditava procurar). A solidão, na verdade, tornara-se parte de seus dias, e ela ocupava-se em aprender a conviver consigo mesma. Aprendera, nesses dias, que a melhor companhia seria ela mesma. Fora ao cinema, saíra sozinha, conhecera pessoas e lugares, presenciara situações, vivenciara emoções que não poderia ter feito com alguém junto. Mas sabia que não conseguiria continuar assim por muito tempo. Tentara não depender das pessoas, e conseguiu mesmo diminuir seu apego aos outros, mas via-se agora num limite que não poderia ultrapassar. Temia que, caso ultrapassasse, não houvesse volta.
Seu maior desejo agora é, na verdade, terminar a travessia. Apesar do medo do que possa encontrar no fim dessa ponte, apesar da incerteza do que a espera por lá, deseja realmente terminar. Não pode mais para ficar tão à deriva, e o que pode ser a terra firme parece não estar tão longe. Então ela seguirá em frente, seja como for.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Contraste

Ela o admirava. Encantava-se com seu corpo bem feito, parecendo ter sido desenhado por uma mão talentosa. Ele tinha olhos negros que pareciam penetrá-la cada vez que a observavam. Seu abdômen bem definido a enlouquecia e seus ombros largos davam a ela uma enorme sensação de segurança. Ela adorava sentir a barba mal feita dele roçar em suas bochechas, em seu pescoço, em sua barriga. Gostava de beijar aqueles lábios carnudos, de mordê-los, de senti-los passeando por seu corpo.

Ele não conseguia mais imaginar sua vida sem ela. Desejava aquele corpo claro, aquela barriga lisa, aquela cintura fina. Sentia-se cada vez mais seduzido por aqueles olhos claros onde podia observar as pupilas dilatadas quando ela olhava para o escuro. Envolvia-se mais e mais com aquele perfume de folhas de outono que cobria o corpo dela e impregnava-se no seu. Sentia-se atraído por aqueles seios redondos, aquele corpo que de tão pequeno parecia frágil, e que de tão perfeito parecia irreal.
Eles tinham um costume incomum, mas que os encantava e envolvia por incontáveis minutos: observar suas mãos juntas. Os dedos finos e claros dela pareciam seduzidos pela mão forte dele. Seus dedos entrelaçados causavam um contraste encantador. Ela era branca, ele era negro. Dois opostos tão parecidos, tão aproximados, tão envolvidos em um só sentimento. Amavam-se, e isso os bastava.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Contentamento Descontente

Por que não contentar-se com o pouco que foi dado ao invés de chorar pelo muito que não recebeu?
Ela não se contentou com o pouco. Não que houvesse realmente sido pouco, mas havia ficado longe do muito que ela esperava. Decidiu buscar o que deveria lhe pertencer: o amor daquele homem. Não poderia ser tão difícil reconquistar alguém com quem dividiu os melhores anos de sua vida. Sua esperança era grande. Seu amor também.
Quanto mais o tempo passava, mais longe ele parecia estar. Naquela que seria sua tentativa derradeira, viu-se com o coração apertado. Foi ao encontro dele tomada por uma tristeza de despedida. Sabia que aquele encontro seria mesmo o último. Olhou-o demoradamente, a ponto de deixá-lo constrangido. Desculpou-se pelas tantas tentativas, despediu-se rapidamente e saiu correndo, sem dar chance para que ele falasse. Sabia que se o ouvisse, seria mais difícil.
No dia seguinte, ele foi à casa dela devolver o casaco que ela havia esquecido no restaurante, quando saíra apressada. A porta da casa estava destrancada, então ele entrou, chamou por ela, mas não obteve resposta alguma. Ao observar com calma o ambiente em que estava, sentiu-se envolvido por uma morbidez forte demais. Tinha certeza de que algo muito ruim havia acontecido. Avistou então, sobre a escrivaninha, um envelope com seu nome, escrito com a letra dela. Abriu e encontrou um texto pequeno, que fez seus olhos encherem-se de lágrimas. Era uma carta de despedida.
“Meu amor por ti foi triste, e suficientemente grande. Amei-te louca e intensamente. Amei-te triste e grandiosamente. Porque todo grande amor só é bem grande se for triste.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Momento Perpétuo

Enquanto ela dormia, ele a observava. A respiração lenta e profunda fazia sua camisola de seda subir e descer em movimentos ritmados. Ele costumava deixar o tempo passar enquanto olhava para aqueles lábios que mais pareciam desenhados à mão, para aqueles olhos que mesmo fechados eram encantadores. Gostava de acariciar aquele corpo, de deitar em seu colo, acomodar-se em seus seios e sentir seu coração bater mais forte.
Ela o sentia aproximar-se, mas continuava de olhos fechados, inerte, sabendo que ele a admirava. Ela gostava disso. Sentia-se desejada quando ele acariciava seu corpo, como se usasse do toque para acreditar que ele era real. Ela sentia seu coração acelerar, sua respiração ficar mais profunda. Desejava que o tempo parasse, para que os dois pudessem ficar ali deitados, abraçados, sentindo o calor de seus corpos entrelaçados.
Ele então começava a beijá-la. Primeiro sua boca, saboreando seus lábios como se fossem uma fruta suculenta. Depois seu pescoço, deslizando sua boca por aquela pele macia. Ela o apertava ainda mais forte, colava seu corpo ao dele. Sua respiração tornava-se cada vez mais ofegante, misturando-se à dele, também acelerada. Seus corpos se misturavam cada vez mais, os dois agora bem acordados, desejando um ao outro. O mundo poderia acabar naquele instante e os dois então perpetuariam aquele momento.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Despedida

Enquanto espera o tempo passar, sem muito desejo de fazer coisa alguma, ela observa o mundo do alto. Os carros, as pessoas, os sons. Tudo se mistura naquela pequena imensidão que seu campo de visão pode alcançar. Os dias ali passados tiveram cores e sons diferentes, momentos diferentes, sensações distintas. O gosto ruim na boca, o barulho do ventilador, o som do elevador subindo e descendo. Os mínimos detalhes que ela só percebia em seus momentos de silêncio. Momentos que ali ela não passará mais. Está indo embora. Pensa no que será dali pra frente, mas não faz muita questão de obter uma resposta. Essa incerteza a amedronta, e a diverte.
Aquele lugar onde passou suas tardes nos últimos meses, agora a cansa, a faz perder o ânimo. Aquela janela, de onde viu as ruas movimentadas, ouviu buzinas, gritos e músicas; de onde desejou saltar e sair voando, agora mostra apenas cores feias e misturadas, sons irritantes e altos. Uma prisão de espírito é o que se tornara aquele lugar para ela.
Tudo o que deseja é ser livre de novo. É sentir o cheiro da chuva nas tardes de verão. É apreciar uma boa companhia numa tarde ensolarada. O que ela mais quer agora é aproveitar a chance do recomeço. A chance de mudar, de fazer diferente, de sonhar. Ela deseja um novo rumo, um novo caminho a seguir, onde as coisas que faziam parte de seus dias, sua rotina, precisam ser deixadas, guardadas apenas na lembrança. Ela sabe que tem uma nova história a escrever, com novos personagens, novos dilemas e novos amores. E chegou a hora de começar.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Inconstância

Ela estava atordoada com o que acabara de ouvir. Não esperava uma reação assim. Ele já fizera mal a ela uma vez, mas ela perdoara. Ela sempre perdoa. Costuma dar segundas chances às pessoas, e com ele não seria diferente. Por pior que tenha sido sua atitude, ficara no passado. Mas ele parecia não ter entendido que insistir em machucar não a faria perdoar de novo.
Ele a julgava inconstante, dizia-se nervoso com as alterações repentinas de humor que frequentemente a afetavam. Dizia não entendê-las, não suportá-las. Mas ela não podia evitar. Ela também não se sentia bem com tamanha inconstância, mas é de sua natureza e ela estava aprendendo a contorná-las.
E agora via-se surpreendida por uma reação que, para ela, era exagerada. Ainda procurou entender, conversar, amenizar o estrago que poderia afetar demais os dois, mas não houve jeito. A surpresa transformou-se em revolta, apimentada por um tom de sarcasmo de ambos os lados, e a conversa tomou um rumo totalmente indesejado. Ele disse coisas que ela recusava-se a acreditar serem os reais pensamentos dele. Mas pareciam ser. Ela ainda tentava diminuir as consequências, fazer com que a discussão deixasse de ser agressiva, mas ele parecia realmente querer machucá-la de novo. As palavras dele a atingiram como um corte feito com papel, que não fere profundamente, mas dói, incomoda e faz-se lembrar por algum tempo.
Ela ainda está tentando digerir toda aquela discussão, entender as razões para que o resultado seja o melhor para ela. Mas é cada vez mais difícil entender, aceitar. E ela então desiste, vira-se, e dorme.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Aconchegante Imensidão

Ela observava o mar, sentada num banco, sozinha. Tinha a pele bronzeada pelo sol, longos cabelos cacheados e loiros, e um olhar suave, azul como o céu. Seu corpo era esbelto, suas mãos finas e compridas. Era encantadora.
Quando a solidão apertava o peito, ela costumava olhar o mar e vagar por sua imensidão azul-esverdeada, passeando apenas com os olhos por toda a praia. Nesses momentos, sua beleza tornava-se ainda mais evidente. O sol deixava seus cabelos dourados, e seus olhos brilhavam, mas agora com um ar melancólico que a fazia ainda mais doce.
A falta que ele fazia a tornara menos alegre, dando-lhe um sorriso tímido e um olhar triste. Já haviam se passado anos, mas sua vida nunca seria a mesma. Já tentara mudar de cidade, conhecer novas pessoas, novos amores, mas nada foi capaz de apagar a marca deixada por aquele amor. A maneira repentina com que seus planos e sonhos foram destruídos deixou uma cicatriz em seu peito, que ela fazia questão de esconder. Mostrá-la seria como provocar a curiosidade dos outros, que a indagariam razões para a existência daquela marca. Explicá-la seria ainda mais doloroso, por trazer à memória aquele dia que ela tanto desejava esquecer.
Cansada de tantos dias perdidos e tantas tentativas frustradas, ela se levanta e caminha em direção ao mar. Seus passos são lentos, como os de quem não deseja chegar a lugar algum, mas com a decisão de quem escolhe um caminho. A praia parece tão longa, o mar parece tão distante. Até que então ela sente a água bater em seus pés, acariciá-los como quem os deseja, como quem os quer para si. O calor da água toma conta de suas pernas, ela sente um calafrio que se espalha por todo seu corpo. Seus seios, seus ombros, seu pescoço, vão sendo submersos pela imensidão azul. Seus cabelos são recebidos pela água cálida, enquanto ela continua andando. Seu corpo é então acolhido pelo mar, que a envolve com a paz que ela tanto desejou.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Separação

Momentos antes, ela decidira não voltar mais. Estava certa de que fora a melhor escolha, e havia entendido aquela conversa como uma despedida. Sabia que fora uma despedida. Pegou suas coisas, tudo o que lhe pertencia naquela casa, e deu-lhe as costas. Depois de tudo o que ele dissera, não poderia mais ficar ali. Não voltaria mais. Agora, sua vontade maior era apenas esquecer toda aquela discussão. Ainda não havia conseguido assimilar as coisas. Não poderia ser verdade. Ele não poderia ter feito aquilo com ela. Mas ela não se lamentaria. Não ficaria esperando que ele voltasse para ela. Não havia mais volta. O único rumo a tomar seria a separação. O inevitável e temido fim havia se apresentado a eles. Foi embora, mas com a inevitável sensação de perda. Apesar de tudo, sabia de seus sentimentos, e, ainda que quisesse, não poderia acabar com eles com a mesma rapidez com que decidira sair daquela casa. O tempo seria agora seu melhor amigo. A saudade seria sua nova companheira. E por mais certa que estivesse de sua decisão, a dúvida e o inevitável “e se...” seriam parte de seus dias por algum tempo. Até que encontrasse outro amor. Até que seus sentimentos se renovassem e suas esperanças recomeçassem. E então, tudo voltaria a ser como antes, apenas com um novo nome e um novo endereço.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Acabou!

O que fazer quando já não resta nada? O que pensar quando todos os passos já foram dados? O que fazer quando a rotina já não existe? O que desejar quando já se tem todo o tempo? O que planejar quando os horários estão sobrando? Para quem ligar quando os dias parecem tão longos?
Quando tudo chega ao fim, parece que só resta um vazio. A saudade começa a tomar conta. Por menos importantes que fossem, as pessoas começam a fazer falta. Não significa que elas eram amigas ou que fizessem alguma diferença, mas elas eram parte de um conjunto que já não existe mais.
A diferença dessa vez, é que no ano seguinte tudo será novo. Tudo mesmo. As pessoas, os lugares, os interesses, as responsabilidades. Tudo novo. Uma nova etapa. Uma nova vida.
A espera pelo inicio dessa nova fase é o que aflige. A incerteza também. Pensar que todo o esforço pode não ter valido nada, pode ter sido todo em vão, angustia. A confiança é o que mantém os ânimos um pouco mais calmos. As distrações e a vontade de recuperar o tempo “perdido” são o que fazem esquecer, ainda que por curtos períodos de tempo, que nada está resolvido. Apesar de todos os passos terem sido dados, de tudo que precisava ser feito, ter sido feito (e relativamente bem feito), não há certeza alguma. As esperanças, o pensamento positivo, o apoio daqueles que realmente fazem a diferença foram, e ainda são, fundamentais nessa batalha que ainda demorará a ter um fim.
O pior mesmo é pensar que muitas das pessoas que passam pela vida de alguém, apenas passam. Muitas vezes, nem mesmo a lembrança faz diferença. Em outras é a saudade que toma conta e enche os olhos daquele que para e reflete sobre sua vida.
Espero, do fundo do meu coração, que não tenha sido em vão. Que as escolhas tenham sido as melhores possíveis. Que as decisões tenham sido acertadas. Que eu possa festejar e gritar bem alto, ainda que só para mim mesma: VALEU A PENA!!!

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Vontade incansável

Por achar que seria diferente, ela esperou, procurou, esperou. Por não querer que fosse igual, ela tentou fazer diferente. Mas não adiantou. Ele partiu. Ela esperou encontrar, desejou rever, mas ele desapareceu. Quebrou-se uma esperança que ela desejava jamais revelar. Por menos que esperasse, ela se decepcionou. Ainda que soubesse as prováveis consequências, ela desejou seguir em frente. Mesmo com medo, tardiamente, ela se entregou. A intensidade para ela não depende do tempo. Ele não mostrou a ela um só motivo para querer tanto, mas sua mente criativa fez do menor gesto dele um pretexto para acreditar.
Ainda que seja sempre assim, ela sabe que será, continua esperando, continua acreditando, continua desejando, sempre as mesmas coisas. Talvez o que ela não saiba é que só é assim porque ela deseja que seja. Por mais inconsciente que seja esse desejo, espera, espera, e espera...

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

"Pintar um clima"

Conforme prometido no post anterior, hoje colocarei aqui o texto Pintar um Clima, do Luís Fernando Veríssimo, traduzido (ou quase) para o espanhol. É longo, mas vale a pena. Vamos lá!

Pobrecitos de los traductores. Me pongo a pensar como álguien traduciria la frase pintar um clima del brasilero a otra lengua. Ni siquiera el sentido de la frase es traducible sin que pierda en espiritu y exactitud. "Se creó una inesperada atmósfera de atracción mutua" no es exactamente lo mismo. Clima, en este caso, aún se puede trasnportar con ele sentido casi intacto, pero pintar como sinónimo de aparecer u ocurrrir, sólo con un grán preámbulo explicativo. Pobres traductores.
Nosotros sabemos que la frase no significa sólo una súbta alteración "eróticoambiental" de expectativas entre dos o más personas. Tiene también una connotación demasiado fatal de algo sucediendo contra la voluntad y el mejor juicio de uno, de algo que no podría pintar, pero, diablos, pinta. Un sacerdote puede, mientras realiza un matrimonio, mirar la novia y listo, pintou um clima. El sacerdote se pierde mientras habla, tartamudea, se olvida lo que tiene que hacer. Se cae el anillo de la novia. Cuando los novios se van a besar, el sacerdote grita "No!". Consternación en la iglesia. El sacerdote tira lejos sus ornamientos, agarra la novia del brazo y los dos se ván corriendo de la iglesia. O entonces el clima se límita a aquel roce de miradas, el mejor juicio prevalece, la celebración se acaba y no pinta más nada.
El clima puede pintar en sitios y momentos poco convenientes. El Bituca se escapa por la banda de la cancha de fútbol con la pelota junto a los piés. Pasa a uno, después a otro. Va a lanzar un centro al area ya viene el zaguero Betón que entra con una zancadilla, pateando la pelota y Bituca juntos. Los dos se enriedan en el suelo. Y pinta um clima. Qué hacer? Ninguno de los dos es homosexual. Aquello nunca había ocurrido con ellos antes. Simplemente pintou um clima. Que no dura mucho, claro. El partido debe continuar. Por las dudas, al patearse el tiro de esquina, cuando el forcejeo en el area grande es comun, los dos se ponen muy lejos uno del otro.
No se puede inducir el clima. Perfumes, iluminación especial, poesía, pornografía, Mile Davis con sordina - nada crea el clima, cuando el clima no quiere pintar. Pero hay noticias del clima pintando en situaciones extremas, entre personas perdidas en la selva, unas con otras o con animales y plantas, y de la frase pintou um clima siendo aceptada como defensa en casos de adulterio y sexo con el amoblado. Nadie sabe exatamente lo que es (no la jerga, sino el fenómeno) pintar en este caso. Puede ser una reacción eletroquímica, puede ser metafísica, nadie lo sabe. Cuando pinta, pinta. El misterio de la atracción humana permanecerá para siempre un misterio. E intraducible.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Aula de Português!

Um dia desses, numa aula de português no colégio (como me incomoda falar que ainda estou no colégio...), lemos o conto As Cerejas, da Lygia Fagundes Telles. No conto há uma menina, a narradora, que se encanta com as cerejas do broche de sua tia, Olívia. De uma forma geral, o conto explicita a passagem da infância para a adolescência, que acontece através de um primeiro amor. É um texto bastante interessante e dá margem a uma discussão enorme, por conter diversos simbolismos e coisas do tipo. Mas não é exatamente sobre o conto que eu quero falar.
No mesmo dia, após constatarmos que era esse o tema principal do conto, fazermos uma discussão sobre ele, e depois uma prova escrita, minha amiga virou para mim e me disse algo como Sara, você tá fazendo o caminho contrário... Aquilo me soou tão impertinente, mas quando fui responder, percebi que não era de todo mentira. Nos últimos dias, ando parecendo uma garotinha apaixonada, daquelas que nunca gostaram de ninguém, nunca ficaram com ninguém, daquelas que nunca beijaram. Meu Deus! Não sei o que está acontecendo, mas que está divertido, ah, está! Então, analisando melhor o que minha amiga falou, não é que eu esteja realmente fazendo o caminho contrário, mas é como se eu houvesse voltado no tempo e estivesse experimentando sensações que já conheço como se fossem novas. Está realmente interessante essa fase. Haha!
Não estou muito empenhada em buscar explicações para tais atitudes, sensações, ou seja lá o que forem. Estou curtindo como se realmente fosse algo novo. Haha, está realmente divertido (eu sei, já disse isso, mas é que está mesmo!)

Nossa, esse post de hoje ficou parecendo uma página de diário. É isso que dá ficar quase uma semana sem postar. Mas o tempo está tão escasso que não sei quando volto a postar. Mas o próximo post será um texto do Luís Fernando Veríssimo, traduzido para o espanhol por mim e uma colega, na classe de conversação.
Que chique, um blog bilingue! (ah, tá! haha)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

El Día Perfecto

Después de una noche muy tranquila, me despertaría temprano para ir a la playa mirar el sol nacer. Con el día ya claro y después de una caminata en la arena, me bañaría en el mar. Una parada para beber un jugo de sandía antes de empezar un sendero por las montañas. Podría llegar a la cumbre y gritar, solo para oír el eco que haría mi grito. En el almuerzo, comería carnes, pastas, sushis, postres... todo lo que me gusta, sin preocuparme por si tuviera una indigestión. En seguida, una siesta abajo de un árbol muy grande. Viajaría a Maringá para ver a mis primos y a mi abuela, los extraño mucho. Miraría la puesta del sol antes de terminar el día perfecto en un fogón en la playa. Sería bueno...

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A vida precisa continuar...

Recuperada (ou não) de uma explosão de raiva, estresse e cansaço, piorada pelos malditos hormônios, resolvi escrever aqui. Queria ter escrito ontem, mas ficaria algo muito pesado, então arrumei outra forma de me acalmar: fui ao cinema! Sozinha, mas fui! Assisti dois filmes, sem dar tempo para que lembranças ruins voltassem a assombrar meus pensamentos. Na viagem de volta pra casa, peguei meu livro e me enfiei em Macondo, fazendo companhia aos personagens da história. São essas as minhas formas preferidas de esquecer que existe o mundo, de fugir da realidade, ao menos por um período curto de tempo, para acalmar meus ânimos e não estourar por motivos banais (como ontem, por exemplo).
O pior de uma discussão não é a discussão em si, nem a raiva que ela traz, mas é o depois. É depois que passa que você olha pra trás, avalia bem como foi que tudo aconteceu, e percebe o quão idiota você foi. Não por ter ou não razão, mas por perder seu tempo, por estragar seu dia, com uma coisa tão ridícula, tão sem importância.
Estou cada vez mais cansada, mais estressada, cada vez querendo mais que o ano acabe logo, que essa rotina toda acabe logo... Já não aguento mais! E isso está me fazendo pirar... Estou com os nervos alterados, ando mais estourada do que já sou, e qualquer coisa é motivo pra surto. Que droga! E ainda olham para mim e falam algo como: nossa, eu não sei como você aguenta isso tudo sozinha... É, nem eu! Não que não tenha ninguém com quem contar, ou que esteja realmente sozinha, mas não tenho aquele alguém especial...
Mas essa rotina toda está acabando, faltam só mais algumas semanas, e tudo isso será passado. Algumas coisas deixarão saudade, outras darei graças a Deus por terem acabado. Espero terminar de atravessar a ponte logo...
E a vida continua, o tempo passa, as pessoas vêm e vão, e eu continuo vivendo... tentando, pelo menos!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Cada vez mais próximo...

Quando comecei a escrever aqui, havia me prometido que não falaria de vestibular, mas com tamanha proximidade, não há mais como escapar. Tudo a minha volta me remete ao dia 29 de novembro. Meus planos estão se baseando numa certeza que só existe dentro de mim, mas que poderá ser confirmada dia 22 de janeiro de 2010. Até lá, o jeito é estudar. Estava lendo um blog sobre a rotina de um vestibulando, e me senti um tanto quanto estranha. Voltou a pairar sobre minha mente aquele medo, aquela incerteza quanto ao meu esforço para ser aprovada. Minha recusa em passar um ano inteiro pensando apenas em vestibular, foi aumentando cada vez mais. Por momentos me "condenei" por não ser uma daquelas vestibulandas que passam o dia enfiadas nas apostilas, e só falam sobre o maldito vestibular (é, maldito mesmo!), mas minha confiança foi crescendo, por menos motivos que existissem para isso. Por mais que me digam (ou eu mesma pense) que não vai ser com esse ritmo que vou ser aprovada, ou por mais que minha mãe comente com minha avó que não serei aprovada, não vou mudar. Posso estar errada, mas não preciso provar aos outros que sou capaz. Não sou disciplinada, nem persistente, mas quando quero mesmo algo, consigo! E eu quero entrar na Universidade, então eu vou!

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Dicotomia

Se existe um sentimento capaz de modificar completamente uma pessoa, esse sentimento é o amor. O problema é quando essa mudança torna o amante um chato, ou pior, o casal apaixonado exala uma chatice sem tamanho Aqueles apelidinhos carinhosos que só são agradáveis ao próprio casal, aquelas discussõezinhas que somos obrigados a presenciar... Existe coisa mais irritante que um casal apaixonado? Eles perdem a noção da chatice e não se importam se quem está com eles quer que tudo isso acabe. A chatice do amor é a capacidade que ele tem de nos deixar alienados e abobados. A única coisa que importa para um ser apaixonado é o seu amor, a pessoa amada, é esse o seu único assunto, seu objetivo e sua rotina. Mas é justamente por essa chatice que o amor é tão interessante. É exatamente a alienação causada por esse sentimento que o torna tão atrativo. O amor é ambíguo, e aí está o seu encanto.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Resenha

Essa é a resenha que me fez competir por um jantar num restaurante bacana, oferecido como prêmio do concurso literário da biblioteca do meu colégio... Infelizmente não ganhei, mas a Regi bem que mereceu!! Além do mais, foi uma experiência bastante interessante, e gostei demais do livro, que li em espanhol! Por isso resolvi colocar a resenha aqui... Livro: Como Água Para Chocolate, de Laura Esquivel Em meio a uma interessante mistura de receitas e romances, nasce Tita, já com um destino traçado: por ser filha mais nova, terá que cuidar de sua mãe Helena até que esta morra. A menina cresce ajudando Nacha na cozinha, aprendendo os poderes mágicos que um prato pode adquirir. Até que Tita conhece Pedro e os dois se apaixonam perdidamente, então ele casa-se com Rosaura, irmã de Tita, para ficar mais perto de sua amada. Os apaixonados descobrem na comida uma maneira de comunicar-se e manter vivo o seu amor. Os pratos preparados por Tita têm a capacidade de provocar sensações muito fortes em quem os experimenta, sejam boas ou ruins. Como Água para Chocolate não poderia receber título melhor. Estar como água para chocolate, no México – onde foi escrito o livro – significa estar a ponto de explodir, seja de paixão ou de raiva. E é entre explosões de emoção, com um toque de magia e uma linguagem poética cercada de exageros, que o romance se desenvolve, levando o leitor a viver uma aventura ardente e deliciosa.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Início de semana

Depois de um fim de semana de estudos, cansativo e com uma energia estranha, fui pra casa da Nega. É tão bom fazer isso! Arrumamo-nos, como nas outras tantas vezes, com nossos vestidos rodados e nossas rasteirinhas. Em meio a trocas de roupas e maquiagens, conversamos como não fazíamos há dias. Prontas, lindas como sempre, fomos para a Treze. Deixando as tralhas na chapelaria, entramos, fomos conversar e logo dançar. Uma noite sem ciranda, mas de muito forró, como eu não tinha há tempos. Muitas risadas, tanto de pessoas e situações dali como de histórias que contávamos uma para a outra. Divertido demais! E não acabou ali. Fomos pra minha casa, onde a conversa se estendeu por mais um tempo, e no dia seguinte mais um pouco. Um domingo pra começar bem a semana. E na segunda, o show. Saí do trabalho e fui para a FAP. Encontrei meu pai e meu irmão caçula, fomos os três assistir o músico da família. Uma recepção calorosa, com um astral ótimo. Ao ouvir a voz daquela mulher, fiquei de queixo caído. Não esperava, não mesmo! Uma voz forte, intensa, que tomava conta da sala, enchia o ambiente de magia. As músicas que nos remetiam ao sertão e depois ao mar me encantaram. Mas nenhuma me encantou mais que a Cego com Cego (Tom Zé e José Miguel Wisnik). O jogo de vozes, o Isaac na rabeca, o conjunto da obra, ficou maravilhoso. Ao acabar a música, me senti tão leve, como que voando, mas grudada ali, sem conseguir me mexer, vidrada naquelas pessoas que faziam aquele som delicioso. Foi uma experiência encantadora.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Uma mistura de tédio, vontade de escrever, decepção, medo... É, os sentimentos geralmente se apresentam assim para mim (eu diria sempre, mas me parece tão pesado). Um tédio não por não ter o que fazer – afinal eu tenho, e muito – mas por não querer fazer o que deve ser feito, e sim qualquer outra coisa. Qualquer. Vontade gigantesca de escrever, mas uma certa falta de inspiração toma conta de mim e parece que nada é tão interessante a ponto de fazer despertar uma idéia realmente inspiradora. Decepção? Ah, essa é, definitivamente, a pior sensação do momento, a que me faz mais mal. Decepção comigo, por isso tão ruim. Por saber que eu poderia ter feito mais e melhor, muito mais e muito melhor. Mas não fiz. Já o medo é aquele mesmo de sempre, aquele que não me abandona, meu velho companheiro, e que vez ou outra me faz melhorar, correr atrás do prejuízo e me dedicar. Mas não é sempre, infelizmente. Minha inconstância é mesmo permanente, está sempre presente em todos os meus dias. Não sou a única, sei disso. Mas ainda não me foi dado o poder de saber o que se passa na cabeça dos outros, então, enquanto não aprendo a ler pensamentos, escrevo sobre o que acontece em minha assustadora e confusa mente.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Leitura...

Em um dia complicado, chato, sem sol e de humor alterado, comecei a ler um livro. É, a princípio, mais um entre aqueles requisitados para o vestibular. Mas para mim, tem um significado diferente. Por quê? Não sei dizer muito bem. Uma autora odiada por muitos, mas que me causa sensações interessantes. É possível que seja apenas uma fase, mas ler Clarice Lispector me faz bem, me agrada, me inquieta.
Um conto em especial me chamou a atenção, por falar de uma forma diferente sobre a amizade. Não sei muito bem fazer uma análise sobre o texto - nem quero, muito menos dizer o porquê de ter despertado em mim tamanho interesse. Mas por ter me chamado tanta atenção, resolvi colocá-lo aqui.
"Há tanto tempo precisávamos de um amigo que nada havia que não confiássemos um ao outro. [...] Depois da conversa sentíamo-nos tão contentes como se nos tivéssemos presenteado a nós mesmos. Esse estado de comunicação contínua chegou a tal exaltação que, no dia em que nada tínhamos a nos confiar, procurávamos com alguma aflição um assunto. [...] Mas todos os problemas já tinham sido tocados, todas as possibilidades estudadas. Tínhamos apenas essa coisa que havíamos procurado sedentos até então e enfim encontrado: uma amizade sincera. [...] Mas como se nos revelava sintética a amizade. [...] O mais que podíamos fazer era o que fazíamos: saber que éramos amigos. [...] a solidão de um ao lado do outro, ouvindo música ou lendo, era muito maior do que quando estávamos sozinhos. E, mais que maior, incômoda. [...] A pretexto de férias com minha família, separamo-nos. [...] Sabíamos que não nos veríamos mais, senão por acaso. Mais que isso: que não queríamos nos rever. E sabíamos também que éramos amigos. Amigos sinceros."
Clarice Lispector. Uma Amizade Sincera. In Felicidade Clandestina.
A amizade é algo intrigante. É uma das muitas coisas que me interessam, e sem a qual eu não vivo.

sábado, 12 de setembro de 2009

Desisti de tentar pôr em versos minhas dúvidas e meus medos. Tornam-se poemas (se é que se pode chamá-los assim) muito toscos, e ainda não encontrei maneiras de lapidá-los para que se tornem interessantes. Escrever tudo em frases corridas, sem muita preocupação com nexo ou coesão é muito mais verdadeiro, prático e leal ao que se passa em mim. Quando o choro não sai e o sono não vem, o braço dói de tanto ecrever, pois o pensamento vai longe. Sei que não sou a única no mundo a sentir o que sinto, nem a pensar o que penso, mas me custa muito demonstrar, pareço não saber me expressar direito. Muitas dúvidas surgem enquanto escrevo sobre uma delas, então começo a vagar por elas e me perco num mundo complicado, mas só meu. E esse mundo está fechado para visitação.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Saudades?

É estranho admitir, mas já sinto saudades. Pensar que o tempo passado em sua companhia foi surreal, que as coisas aconteceram de forma inesperada ou que há certa magia envolvida, não torna o fato menos singular. Pelo contrário, faz com que tudo o que aconteceu tenha sua importância aumentada. Não há uma explicação coerente para os pensamentos que se passam pela minha cabeça. Por mais que tente entender, tudo se confunde, se mistura. Sentimentos excêntricos também se fazem perceber. É como se tudo o que já havia dito, pensado ou falado sobre ele, se revelasse agora certo desejo contido, uma vontade alimentada por insinuações (ou seriam manipulações?). Talvez a falta de costume ou talvez a descrença num real sentimento, torne mais difícil a entrega, a doação. O receio (ou medo) de que algo dê errado, de que fuja do controle, ou pior, de que tudo corra bem, torna as coisas um pouco mais complexas. Não que elas realmente o sejam, mas aparentam.