quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Segredo

Era uma daquelas viagens que se faz com a turma. Uma caminhada, uma trilha, banho de rio, churrasco, conversas, natureza. Não poderia ser melhor.
Na verdade, poderia. Depois da longa caminhada, com muitas fotos, risadas, natureza exuberante e lembranças para jamais serem esquecidas, veio o churrasco. Nada demais, muito menos para ela que havia acordado sem fome e um tanto enjoada. Comeu um pouco e resolveu se deitar antes de ir para o rio. Foi até o carro – um daqueles usados para levar crianças para a escola – e esvaziou um banco onde se acomodou.
Já quase dormindo, sentiu cócegas em seu pé e acordou assustada. Ele estava ali. Todos haviam descido para tomar banho de rio, mas ele resolveu ficar, também descansaria um pouco. Deitou-se no banco atrás do que ela estava e começou a fazer massagens em seus pés. Ela gostava de massagens, ele sabia fazê-las maravilhosamente bem.
Mas o que seria apenas uma massagem fazia aumentar o desejo dele por ela. Ouvia-o falar qualquer coisa que ela não mais entendia, e sentia aqueles dedos fortes percorrerem seus pés como se estivessem tomados por um desejo, talvez o mesmo que fazia sua respiração acelerar. Enquanto ouvia aquela respiração ofegante, ele apertava ainda mais os dedos naquela carne macia que ele tanto gostava.
Então, de repente, ele parou, levantou do banco onde estava, foi para o da frente e, ajoelhando-se em frente a ela, a beijou. Um beijo longo, carregado de desejo, mas também cheio de sentimento. Não era o primeiro e nem deveria estar acontecendo – e isso o tornava ainda mais ardente. Ela sabia, de alguma forma, que aquele seria o último, então apertou o corpo dele contra o seu, o envolveu em um abraço apertado e demonstrou como podia toda sua vontade de permanecer ali, daquele jeito. Mas o beijo terminou num abraço, com um triste eu te amo sussurrado no ouvido dela.
Os dois então se recompuseram, trocaram olhares e seguiram ao encontro dos demais. Aquele seria o segredo deles. O mais perigoso e delicioso segredo que eles compartilhariam.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Travessia

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos... (Fernando Pessoa)

A travessia havia começado há tempos. Já não tinha lembranças recentes em que pudesse afirmar, com toda certeza, que a ponte não houvesse se apresentado a ela. Lembra-se com exatidão de quando constatou que não havia mais volta. Foram conversas confortadoras, porém intrigantes. Os três encontros mais produtivos que ela já teve. Talvez tenha mesmo saído deles ainda mais confusa, mas ao menos sabia que aquilo passaria.
Precisava abandonar suas roupas, esquecer seus caminhos, renovar suas energias. Buscava incessantemente uma nova fonte, onde pudesse regozijar-se e, então, seguir sua empreitada com o espírito alimentado. Buscava, naquele instante, uma inspiração para continuar. Não havia desistido. Não, ela não desistiria fácil assim. Mas as forças exauriam-se cada vez mais rápido. Parecia não poder mais.
No entanto, cada vez que pensava terem se esgotado suas forças, ela se levantava, respirava fundo e seguia em frente. Raramente se dizia forte, ou obstinada, ou qualquer coisa assim, mas sabia que, quando necessário, quando realmente fosse preciso, arrumaria forças, se levantaria, e seguiria.
Não sabia explicar – nem mesmo entendia – como fazia para continuar. Sentia-se sozinha. Não que realmente estivesse, mas não havia ainda encontrado a companhia que procurava (ou que ao menos acreditava procurar). A solidão, na verdade, tornara-se parte de seus dias, e ela ocupava-se em aprender a conviver consigo mesma. Aprendera, nesses dias, que a melhor companhia seria ela mesma. Fora ao cinema, saíra sozinha, conhecera pessoas e lugares, presenciara situações, vivenciara emoções que não poderia ter feito com alguém junto. Mas sabia que não conseguiria continuar assim por muito tempo. Tentara não depender das pessoas, e conseguiu mesmo diminuir seu apego aos outros, mas via-se agora num limite que não poderia ultrapassar. Temia que, caso ultrapassasse, não houvesse volta.
Seu maior desejo agora é, na verdade, terminar a travessia. Apesar do medo do que possa encontrar no fim dessa ponte, apesar da incerteza do que a espera por lá, deseja realmente terminar. Não pode mais para ficar tão à deriva, e o que pode ser a terra firme parece não estar tão longe. Então ela seguirá em frente, seja como for.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Contraste

Ela o admirava. Encantava-se com seu corpo bem feito, parecendo ter sido desenhado por uma mão talentosa. Ele tinha olhos negros que pareciam penetrá-la cada vez que a observavam. Seu abdômen bem definido a enlouquecia e seus ombros largos davam a ela uma enorme sensação de segurança. Ela adorava sentir a barba mal feita dele roçar em suas bochechas, em seu pescoço, em sua barriga. Gostava de beijar aqueles lábios carnudos, de mordê-los, de senti-los passeando por seu corpo.

Ele não conseguia mais imaginar sua vida sem ela. Desejava aquele corpo claro, aquela barriga lisa, aquela cintura fina. Sentia-se cada vez mais seduzido por aqueles olhos claros onde podia observar as pupilas dilatadas quando ela olhava para o escuro. Envolvia-se mais e mais com aquele perfume de folhas de outono que cobria o corpo dela e impregnava-se no seu. Sentia-se atraído por aqueles seios redondos, aquele corpo que de tão pequeno parecia frágil, e que de tão perfeito parecia irreal.
Eles tinham um costume incomum, mas que os encantava e envolvia por incontáveis minutos: observar suas mãos juntas. Os dedos finos e claros dela pareciam seduzidos pela mão forte dele. Seus dedos entrelaçados causavam um contraste encantador. Ela era branca, ele era negro. Dois opostos tão parecidos, tão aproximados, tão envolvidos em um só sentimento. Amavam-se, e isso os bastava.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Contentamento Descontente

Por que não contentar-se com o pouco que foi dado ao invés de chorar pelo muito que não recebeu?
Ela não se contentou com o pouco. Não que houvesse realmente sido pouco, mas havia ficado longe do muito que ela esperava. Decidiu buscar o que deveria lhe pertencer: o amor daquele homem. Não poderia ser tão difícil reconquistar alguém com quem dividiu os melhores anos de sua vida. Sua esperança era grande. Seu amor também.
Quanto mais o tempo passava, mais longe ele parecia estar. Naquela que seria sua tentativa derradeira, viu-se com o coração apertado. Foi ao encontro dele tomada por uma tristeza de despedida. Sabia que aquele encontro seria mesmo o último. Olhou-o demoradamente, a ponto de deixá-lo constrangido. Desculpou-se pelas tantas tentativas, despediu-se rapidamente e saiu correndo, sem dar chance para que ele falasse. Sabia que se o ouvisse, seria mais difícil.
No dia seguinte, ele foi à casa dela devolver o casaco que ela havia esquecido no restaurante, quando saíra apressada. A porta da casa estava destrancada, então ele entrou, chamou por ela, mas não obteve resposta alguma. Ao observar com calma o ambiente em que estava, sentiu-se envolvido por uma morbidez forte demais. Tinha certeza de que algo muito ruim havia acontecido. Avistou então, sobre a escrivaninha, um envelope com seu nome, escrito com a letra dela. Abriu e encontrou um texto pequeno, que fez seus olhos encherem-se de lágrimas. Era uma carta de despedida.
“Meu amor por ti foi triste, e suficientemente grande. Amei-te louca e intensamente. Amei-te triste e grandiosamente. Porque todo grande amor só é bem grande se for triste.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Momento Perpétuo

Enquanto ela dormia, ele a observava. A respiração lenta e profunda fazia sua camisola de seda subir e descer em movimentos ritmados. Ele costumava deixar o tempo passar enquanto olhava para aqueles lábios que mais pareciam desenhados à mão, para aqueles olhos que mesmo fechados eram encantadores. Gostava de acariciar aquele corpo, de deitar em seu colo, acomodar-se em seus seios e sentir seu coração bater mais forte.
Ela o sentia aproximar-se, mas continuava de olhos fechados, inerte, sabendo que ele a admirava. Ela gostava disso. Sentia-se desejada quando ele acariciava seu corpo, como se usasse do toque para acreditar que ele era real. Ela sentia seu coração acelerar, sua respiração ficar mais profunda. Desejava que o tempo parasse, para que os dois pudessem ficar ali deitados, abraçados, sentindo o calor de seus corpos entrelaçados.
Ele então começava a beijá-la. Primeiro sua boca, saboreando seus lábios como se fossem uma fruta suculenta. Depois seu pescoço, deslizando sua boca por aquela pele macia. Ela o apertava ainda mais forte, colava seu corpo ao dele. Sua respiração tornava-se cada vez mais ofegante, misturando-se à dele, também acelerada. Seus corpos se misturavam cada vez mais, os dois agora bem acordados, desejando um ao outro. O mundo poderia acabar naquele instante e os dois então perpetuariam aquele momento.