Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos... (Fernando Pessoa)
A travessia havia começado há tempos. Já não tinha lembranças recentes em que pudesse afirmar, com toda certeza, que a ponte não houvesse se apresentado a ela. Lembra-se com exatidão de quando constatou que não havia mais volta. Foram conversas confortadoras, porém intrigantes. Os três encontros mais produtivos que ela já teve. Talvez tenha mesmo saído deles ainda mais confusa, mas ao menos sabia que aquilo passaria.
Precisava abandonar suas roupas, esquecer seus caminhos, renovar suas energias. Buscava incessantemente uma nova fonte, onde pudesse regozijar-se e, então, seguir sua empreitada com o espírito alimentado. Buscava, naquele instante, uma inspiração para continuar. Não havia desistido. Não, ela não desistiria fácil assim. Mas as forças exauriam-se cada vez mais rápido. Parecia não poder mais.
No entanto, cada vez que pensava terem se esgotado suas forças, ela se levantava, respirava fundo e seguia em frente. Raramente se dizia forte, ou obstinada, ou qualquer coisa assim, mas sabia que, quando necessário, quando realmente fosse preciso, arrumaria forças, se levantaria, e seguiria.
Não sabia explicar – nem mesmo entendia – como fazia para continuar. Sentia-se sozinha. Não que realmente estivesse, mas não havia ainda encontrado a companhia que procurava (ou que ao menos acreditava procurar). A solidão, na verdade, tornara-se parte de seus dias, e ela ocupava-se em aprender a conviver consigo mesma. Aprendera, nesses dias, que a melhor companhia seria ela mesma. Fora ao cinema, saíra sozinha, conhecera pessoas e lugares, presenciara situações, vivenciara emoções que não poderia ter feito com alguém junto. Mas sabia que não conseguiria continuar assim por muito tempo. Tentara não depender das pessoas, e conseguiu mesmo diminuir seu apego aos outros, mas via-se agora num limite que não poderia ultrapassar. Temia que, caso ultrapassasse, não houvesse volta.
Seu maior desejo agora é, na verdade, terminar a travessia. Apesar do medo do que possa encontrar no fim dessa ponte, apesar da incerteza do que a espera por lá, deseja realmente terminar. Não pode mais para ficar tão à deriva, e o que pode ser a terra firme parece não estar tão longe. Então ela seguirá em frente, seja como for.
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