Ela despertou assustada, com a sensação de que alguém a observava. Esfregou os olhos tentando reconhecer as coisas ao redor, mas demorou até que suas pupilas dilatassem o suficiente para permitir que visse alguma coisa naquele breu que a cercava. Tateou no escuro à procura do abajur que ficava ao lado de sua cama. Acendeu aquela luz fraca que apenas servia para não atropelar os calçados no chão ou as roupas espalhadas pelo quarto. Olhava ao redor como se procurasse alguém, aquele alguém que a observava quando acordou. Mas não havia ninguém naquele quarto pequeno e com poucos móveis. Ainda assim, ela continuava olhando, com aquela mesma sensação terrível que a tirara de seu sono tão pesado. Intrigada, levantou da cama para inspecionar o resto da casa, mas, novamente, não encontrou ninguém. Já amanhecia e ela precisava trabalhar. Na tentativa de afastar aquela sensação ruim, escolheu um vinil da Elis e colocou para tocar. Ela gostava de ouvir música logo cedo, enquanto se arrumava demoradamente para sair. Tomou um banho, escolheu uma roupa qualquer e a deixou sobre a cama. Com seu moletom surrado, foi fazer um café. Ela gostava de vestir a roupa de sair só depois de comer, pois era atrapalhada demais para correr o risco de precisar escolher outra roupa. E por mais ocupada que estivesse, a todo momento olhava para os lados, buscando o olhar de alguém que a observasse, mas nunca encontrava.
Caminhando pelo calçadão, como costumava fazer todas as manhãs a caminho do trabalho, deteve-se em frente àquela vitrine. Não se lembrava de ter visto algo assim antes. A impressão que tinha era de que, por trás daquele vidro, houvesse um quarto ou uma casa inteira. Pensou que poderia ser uma loja de decoração, daquelas que vendem móveis planejados para todos os ambientes. Mas havia algo ali que o fazia acreditar que não era uma loja como outra qualquer, talvez pela disposição nada comum daqueles móveis visivelmente usados, pelos objetos aparentemente fora de lugar ou pelo par de sapatos cheios de lama ao lado do que parecia uma porta de entrada. Depois de alguns instantes ali, parado, olhou ao redor e viu que algumas pessoas haviam unido-se a ele na observação daquela estranha vitrine. Foi então que, ao ver nos rostos das pessoas expressões de espanto e descrença, virou seu olhar de volta para aquela vitrine e descobriu que não se tratava de uma loja, mas sim de uma casa de verdade, com uma moradora cuja rotina podia ser acompanhada por todos que ali estavam. Não conseguiu entender os motivos para que aquela casa estivesse ali. Na verdade, foi capaz apenas de olhar para aquela mulher vestida com um moletom surrado e chinelos velhos, preparando seu café da manhã.
Nenhum comentário:
Postar um comentário